Facebook Twitter Flickr YouTube
Quinta-feira, 21 de novembro de 2024 movimento ciência cidadã

notícia

09/03/2018 - A EUROPA DESTRÓI NOSSA NATUREZA

A EUROPA DESTRÓI NOSSA NATUREZA

Entrevista: A Europa quer alimentos baratos. Entretanto, isso tem consequências devastadoras, por exemplo, no Brasil. O professor Antonio Andrioli está confrontado diariamente com isso. © Lisa Mill/bio verlag

Andrioli, à sua frente está um copo de leite. O que esse leite produzido na Alemanha tem a ver com o Brasil? Ele é produzido à base de soja do Brasil. Para abastecer a demanda de proteína na produção de animais da Alemanha é necessária uma área de aproximadamente 2,3 milhões de hectares na América Latina, o que corresponde ao tamanho do Estado de Mecklenburg-Vorpommern.

Por que esse componente da ração animal vem do Brasil e onde está o problema?

Muitas vezes a soja vem do Brasil porque lá ela é mais barata. Com isso, aqui na Alemanha são produzidos excedentes. E o que a Alemanha faz com o excedente de leite? A União Européia compra esse excedente e o envia na forma de leite em pó para a África, por exemplo, o que lá irá destruir a produção local. Para poder elevar o nível de gordura desse leite nele é misturado óleo de palma da Indonésia. Com isso, não quero afirmar que a soja ou o óleo de palma sejam produtos ruins. Ao contrário, a forma como a Europa lida com esses produtos destrói a nossa agricultura local, contamina a natureza e nossas águas no Brasil e, através das longas vias de transporte, prejudica o meio ambiente.

Em outras palavras, o consumidor alemão também é responsável pelos problemas ambientais no Brasil?

Não somente os consumidores, mas também a política. Todos os anos a União Europeia importa em torno de 35 milhões de toneladas de soja. Isso ocorre porque a política agrária da União Europeia é baseada em alimentos baratos. A União Europeia pratica essa política embora, na realidade, ela seja cara, se considerarmos, por exemplo, os efeitos à saúde ocasionados pelo uso de agrotóxicos. E o Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos.

No verão de 2016 a presidenta Dilma Rousseff foi tirada do cargo por um golpe parlamentar. Desde então, governa o conservador liberal Michel Temer. O que mudou de lá para cá?

O modelo de desenvolvimento que dura mais de 500 anos se aprofundou: o Brasil continua exportando seus recursos naturais, os pequenos agricultores seguem sendo expulsos das suas terras, o governo é conduzido pelas corporações e muitos políticos são corruptos. O agronegócio não domina somente o parlamento, mas também está no governo. O Ministro da Agricultura é o “Rei da soja” Blairo Maggi, o maior produtor de soja do mundo. Ele foi responsável por 40% do desmatamento do Estado do Mato Grosso para cultivar soja.

Isso significa que a expulsão dos agricultores em curso agora passa a ser realizada de forma mais radical? Mais ou menos. A política agrária orientada nas agroexportações produz maior dependência, concentração de terras, êxodo rural, pobreza e fome. As agroexportações proporcionam anualmente 25 bilhões de dólares em superávit na balança comercial. Antes, isso possibilitava recursos ao governo para combater a fome, enviando alimentos até para pequenos agricultores. Esse dinheiro também foi investido em escolas, universidades, no sistema de saúde. Isso tudo está sendo cortado no governo Temer. Educação para povos indígenas? Também isso está sendo cortado! Atualmente somente os grandes proprietários rurais estão sendo beneficiados e se governa apenas para a elite. Por outro lado, os pequenos agricultores representam 3/4 dos produtores rurais e dispõem de apenas ¼ das terras.

Há resistência contra isso?

Sim, mas estamos apenas no início. A mobilização ainda é muita baixa. Os pequenos agricultores continuam sendo expulsos e perseguidos, sem terras são assassinados e estudantes presos. Em nossa região a direção do campus de um Instituto Federal foi afastada com a alegação de estarem cooperando com agricultores sem terra.

A soja é uma questão apenas de grandes produtores?

Também os pequenos agricultores produzem soja, além de milho, feijão e muitos outros produtos. Nós tentamos diversificar a produção. Mas, isso é difícil, por que a água muitas vezes está contaminada com agrotóxicos e as sementes mais apropriadas, necessárias a uma diversificação de culturas não está mais disponível. É difícil se opor ao agronegócio e à grande agroindústria que está por detrás dele. Também não podemos esquecer que ainda temos muita mata nativa que pode estar sendo destruída.

Atualmente o cerrado, savanas inteiras e a mata nativa são destruídos no Brasil para serem transformados em lavouras.

Correto. Antigamente se cultivava soja apenas no sul do país. Mais tarde, florestas nativas foram sendo desmatadas chegando até a mata atlântica. Essa “cruzada” da soja e a destruição de paisagens inteiras dela decorrente iniciou quando a soja passou a ser utilizada para a alimentação de suínos. Atualmente, essa forma de agricultura deixa rastros de desertificação. Em torno de 70 milhões de hectares de terra agricultável está ociosa e em muitas terras não é possível cultivar soja durante muitos anos seguidos. O solo do cerrado não é adequado à produção de soja. Há variedades de soja que foram desenvolvidas para essa região, mas a produção não dura mais de 5 anos. Depois da soja se tenta cultivar cana de açúcar e, em pouco tempo, nada mais se produz. E todos tentam se justificar. Os produtores de soja afirmam que não foram eles que desmataram, colocando a culpa nos madeireiros. Os produtores de cana de açúcar mais tarde dizem o mesmo. Uma área que corresponde duas vezes ao tamanho da França foi destruída e está improdutiva. Com muita sorte, um dia lá voltaremos a ter mata. Mas, nessas regiões vivem populações indígenas. Nesse momento deveríamos nos perguntar: o que vale mais? O direito das pessoas que lá vivem e que deixam de ter sua base de existência ou o interesse das corporações multinacionais que exploram nossas terras? Essas corporações estão por detrás do golpe de agosto passado.

Até agora o Brasil era visto como confiável produtor de soja não transgênica. Isto ainda é assim?

O Brasil produz anualmente 113 milhões de toneladas de soja, das quais 10% é considerada livre de transgênicos. Isso seria o suficiente para a Alemanha. Mas, cuidado, pois isso não significa que essa soja está livre de agrotóxicos. E ainda há o risco de contaminação, em função do uso das mesmas máquinas, do armazenamento e do transporte. E ainda temos mais uma novidade nisso: também Blairo Maggi produz soja não transgênica. Ele produz essa soja no Mato Grosso, em uma das regiões menos povoadas do país e em milhares de hectares. A extensão da área e a grande quantidade reduzem o risco de contaminação das variedades. Para Maggi isso é um bom negócio.

Também existe produção ecológica no Brasil? Claro que sim! Nós somos, por exemplo, os maiores produtores de mel ecológico. Na floresta nativa isso ainda é possível produzir. Além disso, somos o campeão mundial na produção de arroz orgânico. E isso também é exportado à Europa!

Uma proibição do uso de glifosato na Europa teria efeitos no Brasil?

Com certeza! Uma proibição na Europa poderia significar que também a ração animal não poderia mais ser importada com resíduos de glifosato. Isso seria muito importante para nós. É preciso dizer também que é possível produzir soja na Alemanha.

Em pequena escala, mas com qualidade orgânica.

Exatamente. Isso funcionaa e com a mesma produtividade do Brasil. A produção de soja na Alemanha, no entanto, tem um problema: ela não é tão barata como a da América Latina. Também é possível produzir outras plantas de base proteica para a ração animal, como a fava e o tremoço. Isso pode ser pouco do ponto de vista da quantidade necessária. Mas, será que os agricultores da Europa precisam produzir tanto leite e tanta carne? Não! Isso só intensifica a criação de animais e baixa os preços. A Alemanha deveria incentivar a agricultura regional e os pequenos agricultores. Isso também ajudaria o Brasil. Se aqui uma agricultura baseada em pequenos agricultores funciona, isso também funciona no Brasil. Assim, também a nossa política agrária se distanciaria das agroexportações.

O que você espera dos consumidores europeus?

Os consumidores simplificam muito as coisas quando dizem que deixam de comer carne e com tofu salvariam o mundo. Quem sabe a soja é tão ruim quanto a carne. Se eu digo isso a um vegetariano ele certamente se assusta. Mas, as condições de produção de soja no Brasil são muito ruins. Eu também não posso achar que a importação de soja orgânica é uma boa opção, se produzida tão distante dos consumidores.

Grilagem, destruição ambiental, políticos corruptos…Como você suporta isso?

Eu cresci no período da ditadura militar. Nós fomos torturados em escolas. Isso que estamos vivenciando agora não é tão ruim em comparação ao nosso passado. Entretanto, vivemos agora no contexto de uma ditadura disfarçada de democracia. A liberdade de opinião está limitada. Mas, eu ainda posso manifestar minha crítica à situação social na nossa universidade, uma universidade pública construída pela luta dos movimentos sociais. Eu também preciso fazer isso para que as futuras gerações tenham melhores condições que a nossa.

SOBRE A PESSOA

Antônio Andrioli é professor e Vice-reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul no Brasil. Concluiu seu doutorado em 2006 na Universidade de Osnabrück sobre o tema da agricultura e a produção de soja transgênica no Brasil. Além disso, é autor do livro Transgênicos: as sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. Ele mesmo se define como crítico da globalização e é engajado em movimentos sociais do campo. No final de 2017 ele esteve durante 3 semanas na Alemanha informando sobre a situação atual do Brasil.

Veículo: Internet

Fonte: http://schrotundkorn.de/lebenumwelt/lesen/interview-europa-zerstoert-unsere-natur.html